domingo, 30 de novembro de 2008

Coisa de Anjo (Conto)

Conhecia o mistério daquele sorriso de longa data. Naquele dia estaria ainda mais atraente.

Passou perto dela, que trabalhava de costas para a porta e apertou-lhe os ombros dizendo em seguida que ela estava tensa e merecia uma massagem, prometendo fazer-lhe esse agrado.

Sentiu ferver-lhe as maçãs do rosto e sem titubear respondeu que cobraria a promessa.

Na saída do trabalho, ele que até então era seu colega, perguntou o que ela faria logo mais.

Respondeu-lhe timidamente que não tinha programado nada.

O dia era quente, meados de janeiro e ela logo percebeu que ali havia alguma intenção. Gostou da idéia, já o havia notado embora achasse que não passaria de olhares.

Ele então lhe perguntou se poderia telefonar para marcarem algo, quem sabe uma bebida, um jantar. Ela prontamente aceitou, porém duvidou que acontecesse.

Em menos de duas horas ele telefonou e combinou com ela um horário para saírem, e na hora marcada estava à espera dela.

Munido do kit da conquista, desceu do carro e cortejou-a abrindo-lhe a porta, além disso, era portador de um charme irresistível.

Ele disse já ter escolhido o lugar que a levaria para jantar, pois tinha certeza de que seriam muito bem atendidos, além de saber que a agradaria também.

No caminho, que não foi muito longo, mil coisas passavam-lhe pelas cabeças. A conversa tentava tomar um rumo descontraído, mas ambos estavam tensos.

Ele era um homem alguns anos mais velho que ela, mas tinha um ar de menino indefeso e isso a atraía absurdamente. Descobriu que o desejava como nunca havia desejado homem algum.

A gentileza dele foi tanta, que cuidou de cada detalhe: a escolha da mesa, do vinho, do jantar requintado no endereço mais elegante e caro da cidade. Conversaram amenidades, trocaram elogios, demonstraram o desejo mútuo.

Na volta para casa ela não imaginava o que a aguardava. Em certo ponto do caminho, ele entregou-lhe uma caixa que continha um óleo de massagem e então ela entendeu instantaneamente que fazia parte do kit da conquista, o pagamento da promessa feita naquela tarde.

Ela então consentiu.

Sentada de costas para ele, sob o tapete da sala ampla, recebeu a massagem daquelas mãos que percorreram seu corpo como se já o conhecesse antes. Os toques delicados e fortes quase a faziam desfalecer de desejo. Não se contiveram e fundiram não só os corpos, mas também as almas.

Sob o tapete aspirava o perfume do peito largo e forte sentindo em suas costas o calor do abraço que a envolvia.
Nasceu entre eles um amor instantâneo. Fizeram um pacto de vida, seriam um do outro para sempre. Respiravam-se durante as vinte e quatro horas do dia, pelos anos que se seguiram.

Quando pensavam que viveriam felizes para sempre, a fatalidade os surpreendeu: uma manhã de um dia comum, outro assalto a um homem comum, um tiro comum, a morte comum e incompreensível.

Uma bala atravessara aquele peito onde ela não mais se deitaria para aspirar o perfume.

A gentileza era agora inerte, e ela agora era só metade.

Sepultou com ele todos os segredos que viveram e faria o que fosse possível para completar o que lhe faltou viver nessa vida.

Anos depois sonharia com ele sorrindo, abrindo-lhe outra porta e mostrando a ela um outro caminho.

Não tardou para que ela conhecesse novamente o amor, em outro homem menino, anjo sem asas com rosto iluminado de sorriso.

Como anjo também voou de sua vida, porém sem morrer. Deixou-a mais viva, com a capacidade de poder abrir suas novas portas sozinha.


Um comentário:

Ricardo Rayol disse...

de uma delicadeza intrigante

obrigado pela visita