domingo, 18 de abril de 2010

As voltas que a vida dá



Quando eu era bem jovem e tão logo havia descoberto o gosto pela escola, costumava comemorar os vários trabalhos solicitados pelos professores.

Naquele tempo, os trabalhos nada tinham do aparato tecnológico de hoje.

Custavam-nos horas e horas de biblioteca, horas e horas de cópias em rascunhos e depois horas e horas de capricho na caligrafia para passar o texto a limpo nas incontáveis folhas de papel almaço.

Acabávamos por aprender muitas coisas além da simples disciplina e do tema estudado.

Aprendíamos cidadania.

Aprendíamos que se respeitava o espaço do próximo, quando na biblioteca não podíamos conversar em voz alta, comer ou beber durante a pesquisa e sequer usar caneta esferográfica para copiar os textos. Isso prevenia o risco de causar danos aos livros que eram – e continuam – caríssimos.

Aprendíamos a dar crédito ao autor do texto, uma vez que a fonte bibliográfica deveria sempre ser citada.

Aprendíamos a trabalhar em equipe. Ainda que uma parte da turma pesquisasse e copiasse o texto, a outra passava a limpo e alguém fazia a capa do trabalho, no final, todo mundo, ou quase todo mundo se sentia satisfeito com o trabalho e, sinceramente, nunca me lembro de ter feito parte de um grupo que entregasse trabalhos que não gerassem notas que desabonassem nosso esforço.
Eu estudei em escola pública todo o período que hoje é chamado fundamental.

Havia respeito.

Lembro-me com saudade das sextas-feiras em que nos reuníamos para hastear as bandeiras: Municipal, Estadual e Nacional.

Cantávamos o Hino Nacional e nos enchíamos de orgulho antes de nos dirigirmos às salas de aula.

Essa semana reencontrei um professora querida daquela época, quando a silenciosa e implacável morte levou a mãe de uma amiga de escola e de infância – a única que sobrou desse período – e acabou por nos reaproximar nesse momento de consternação.

Em meio à tristeza, relembramos um período feliz que cruzou nossos caminhos: ela como educadora, eu como aluna/admiradora. E nesses minutos em que passamos conversando depois de tantos anos, aprendi que a dinâmica da vida fortalece quem tem o dom de ensinar.

Minha professora, hoje aposentada, continua ensinando pessoas a se tornarem melhores. Ela e seu esposo são voluntários em um grande hospital de nossa região e dedicam parte de seu tempo precioso amparando aqueles que não têm muito com o que contar, a não ser com o amor gratuito que ameniza dores insuportáveis: crianças portadoras de câncer.

Senti tanto orgulho naquele momento.

Aquela pessoa que tanto me despertava admiração pelo seu conhecimento acadêmico, hoje me faz continuar a querer ser alguém melhor e diferente.

Não importa quantos anos se tenha desde que a sua experiência seja útil na vida de alguém.

Tem gente que nasce com o dom de doar a si mesmo em benefício do próximo, ainda que o próximo esteja distante.

Foram minutos extremamente preciosos,

Por um instante me transportei para aquela sala de aula e diante de mim tinha aquela mulher sábia vestida com guarda-pó cor-de-rosa.

Tínhamos a mesma amiga em comum. Durante nossa convivência escolar isso nos fora oculto.

Fiquei diante dela, com as mãos sobre seu colo, olhando-a fixamente como se pudesse apagar as marcas do tempo em seu rosto.

De novo eu tinha onze anos.

Como eu estava em horário de trabalho, não pude esperar o sepultamento da nossa amiga.

Fui então despedir-me dessa pessoa querida que só habitava então minha memória.

Num abraço caloroso despedimo-nos e ela abriu então um largo sorriso quando a chamei de professora.

Fisicamente ela via à sua frente a mulher que vos narra essa história, mas em nossos corações e almas, tanto uma quanto a outra sabíamos que ela era aquela que eu gostaria de ter sido um dia.

Obrigada professora Ruth!




Um comentário:

Nayane disse...

Me lembro desse tempo, na infancia já tinha internet, mas era tudo tão distante de mim... Blog de extrema sensibilidade. Parabéns!!! Nay*